terça-feira, maio 09, 2017

Ups nem começa a explicar

Os acidentes vão acontecendo.
Quase sem reparar, deixamos o mundo cair, os pratos partem e ficamos com um conjunto quase indecifrável de cacos na mão.
É uma luta, creio, constante? Talvez.
Na verdadeira expressão da palavra, devo dizer que é sempre mau.
Fazer de força palavra, deitar para fora e esperar um alento, sem saber se o que dizemos vai cair ou não em pratos rasos ou poços sem fundo.
Nisso, a verdadeira coragem é falar e ser escutado, sem mais pressão que essa, falar e dizer o que se tem que dizer e daí esperar que as coisas sejam certas.
Ou não.
Os acidentes vão, indubitavelmente, acontecendo.
Cresce nesta razão, que falar é o acto que deixa tudo em cacos.
Falar e ser escutado, é sempre uma coisa plena de direito, que devemos ter e quem esteja a nossa volta nos deva conceder, dentro do nosso círculo presente.
Creio que nisto, sou também um pouco pessoa a cair em palavras perdidas, porque na verdade, falho também no que devia fazer e em atender ao que está presente.
Os acidentes, acontecem, por expressão de desvio de atenção por desactivar de ser, por omissão de pensamento, por estupidas profunda, por acto involuntário de exprimir barbaridade e de pensar que tudo o que é feito, é feito por afastar quem se mete no círculo de existência, expulsando tudo o que se possa ter.
Como explicar?
Como explicar um desenho profundo ou um pensamento solto, como explicar evitar ser, existir ou exprimir, falar ou tropeçar no que se fala, sem dizer, contar o viver, negar e abstrair, de tudo e todos, de todos os momentos, meios e sensações, fechar na cápsula, nesta doma, isolar de tudo e todos, deixado ao refugio imenso, a devastação que é uma tundra, o abandono de um exílio.
Ups.
Caí tudo da bandeja, cacos por toda a parte, cacos de cristal, cerâmica, madeira, emoções e limiares de sensações, revelações nunca ditas e batalhas tomadas por perdidas, tudo espalhado e deixado à paisagem…
Mas ups.
Serviu para fazer porcaria.
Serviu para apagar a voz.
Serviu para tornar negra a vista.
Serviu para fugir.
Serviu para calar.
Apenas não serviu nunca para saber, para ouvir, para perceber.
Ups, fez-se porcaria…

Ápage

Olha para esta folha de papel, como ela olha para mim.
É um branco reflectido em nada, sem que reconheça o que está realmente a olhar para mim.
Olho para mim mesmo, nesse aspecto, não reconheço quem está a olhar, nem tenho ideia o pensamento de quem possa ser esse olhar.
Olho para o vazio, esse profundo céu azul que se perde ao fundo do oceano, sem nada que leve a palmilhar, imensos caminhos por percorrer.
Exprimo um pouco do que me vai soturno profundo, besta interior por libertar, tão só silenciosa, em vã busca de um lugar.
Reflicto sobre esse olhar, está um pouco apagado e como vem, com o cair da noite, trás no seu arrasto largo lastro, ancora funda para afogar.
Lamento assim a decisão, certa e azul, triste e calma, coisas que acalmam a alma que calam a mente, parecer escapar da mão, padecer qualquer maleita desconhecida, coisas que me deixa sem palavra, fala ou visão.
Olho, pareço padecer de um mal qualquer, reflectido nos meus olhos, está também um ser, um amalgamado de existência, reflexões que podem ser tidas, movimentos e decisões, tudo aguas perdidas, dívidas por paredes meias, pareces tão estranhos, como padecer de pensamento, sem sorver o sentimento, clara expressão de agonia.
Parece quase mentira, postular a expressão de abandono e seguir miserável dia a dia, perder a expressão de falar, rasgar palavras esforçadas e derramar tudo o que se possa passar, deixar silenciosa a força presente sem que por mais que a mente possa falar, esquecer, está tudo perdido.
Olhar para uma cama, ver nela um ser estranho, não lhe conhecer o engenho, ficar perturbado e maravilhado, por fera solta em romaria.
Esquecer o orgulho no olhar, sentir-se a terrena carcere que rodeia, perdia de vontade, expressão que varia, sentimento que cala, esforço que é feito, para exprimir em apatia, tudo o que poderia durar um dia.
Esquecer a identidade, olhar para onde se pôs um dia, pensar, enfim…
Como esquecer esta apatia?