quinta-feira, dezembro 20, 2007

Todas as coisas abismalmente equivocadas, ignóbeis e até macabras que me poderiam ocorrer, nenhuma me parece tão estúpida, devendo frisar que usar um termo que demonstre tanto desprezo por uma situação é certamente pesado, como procurar substituir algo que é nosso por algo que foi criado por nós e não nos ultrapassa.

Hoje, ainda de dia, deram-me a conhecer a ideia de substituir uma das poucas coisas que ainda nos distinguem, algo que ainda nos define, afirmaram, que esta criado o ímpeto de substituir o Português escrito, convenhamos Português de Portugal, pelo Português Brasileiro…

Acredito, com total honestidade e total sinceridade, que a pessoa que decidiu ou esta para decidir tal facto, não é de modo algum nascido, criado ou sequer concebido em Portugal.

Poderá parecer uma acusação grave, poderei estar a faltar ao respeito a alguém, poderei até estar a caluniar alguém deste modo, salvo erro, mas creio que dita pessoa insulta a memória e toda a história de Portugal.

Revendo rapidamente a nossa própria história, sabemos que somos um povo que sempre lutou, sempre tentou trazer um pouco de si mesmo ao mundo, sendo até um facto que um pedaço de terra pequeno, que nós somos já dominou territórios muito maiores do que caberiam dentro das nossas próprias fronteiras, conquistamos inúmeras regiões, fizemos coisas que se consideravam impossíveis, fomos para lá do imaginário, fizemos o que nunca se suponha possível e no entanto, agora ameaçam-nos de perdermos a nossa língua em detrimento de uma outra que simplesmente surgiu da nossa.

Digam-me, existe alguma outra forma de nos chamar burros sem usar letras mais garrafais que estas?

Escritores como Fernando Pessoa, Luís de Camões, Almada Negreiros, Eça de Queiroz, Florbela Espanca, Sophia de Mello Breyner Andresen, devem a esta hora estar a dar voltas nas suas tumbas, a rogar todo o tipo de males e pragas e se não o podem já fazer, falo iam, imagino, regressariam da tumba, apenas para demonstrar o seu total desagrado por tal anunciada barbaridade, tal roubo de toda a arte, tal anunciada estupidez…

Talvez, enquanto Portugueses não nos reste muito em que acreditar, não nos reste grande fé ou coragem mas das poucas coisas que nos sobram, dessas poucas que ainda temos como nossas, a nossa língua, a nossa escrita, são acima de tudo algo que nunca devemos esquecer nem jamais perder ou seremos então uma colónia do Brasil…

Despeço-me com este excerto da Mensagem de Fernando Pessoa, pedindo a quem teve tal ideia que tenha vergonha e que pense, que aquilo que temos é algo que nos identifica e que sem isso, talvez quem mande nem mereça mandar.

“Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a Hora!

Valete, Frates. “

Excerto de “Mensagem” (3ª Parte – O Encoberto) de Fernando Pessoa.

Luís Malato

domingo, dezembro 16, 2007

Eu não sei nada…
Sou um completo ignorante de todos os teus costumes, dos teus gestos, de cada paço que das, de cada volta que tomas, de cada sorriso que mostras ou escondes, de cada cara que me deixas ver e de cada cara que me ocultas…
Eu…
Inútil de palavras, escondido sobre o escudo delas…
Recôndito, cada vez mais apagado, como este coração que carrego, partido e fragmentado, espalhado pelo chão como laminas cortantes que não ouso tocar…
Eu, que vejo na tua lição, à tua cara que me ignora…
Eu, que me oculto desta verdade evidente que não posso tocar e mesmo assim carrego sempre comigo…
Eu, confuso em mim mesmo, perdido por algo que nunca soube explicar, condenado por algo que nunca teve origem e do que desconheço o paradeiro…
Eu… Sozinho, atirado a sarjeta, deixado com o lixo do mundo, ignorado do teu olhar, escondido de toda a verdade, tentei encontrar algo em ti que me fizesse mudar…
Mudei, cai ainda mais fundo do que já estava, enterrei-me ainda mais, fiquei sozinho neste naufrágio, condenado à ondulação das marés, condenado a sede eterna, condenado a morrer e reviver tudo, a sofrer a carregar todas estas cicatrizes que me deixas-te, condenado a estar sem ti…
E eu, não sei absolutamente nada…
Toda a verdade que me possas indicar, cai por chão, não é jamais interpretada, não existe, a minha cabeça nega-a e o meu coração já não tem meio e tem medo de a interpretar…
Arranco todo o saber do meu corpo, apraz-me a ignorância, a sorte de nada saber, o esquecimento, o libertar de toda esta dor, a sensata perda de todos os sentidos de realidade, a sensata libertação de tudo o que faça sofrer, mas essa dor retorna todas as noites…
Condeno-me, condenado caminhante da minha própria desilusão, iluso terminal da minha ilusão, condenado, desterrado de sentimentos, deixado a dor, a tristeza e a solidão…
E eu, não sei simplesmente nem conheço absolutamente nada…
Sem ser o teu rosto…